terça-feira, 25 de janeiro de 2011

ASA

Era noite. E eu não sabia voar. O céu estava estrelado. Mas um vento forte indicava que isso era passageiro. Era lua cheia. E eu não sabia voar. As ruas estavam silenciosas. Mas alguma coisa me chamava lá fora. Era solidão. E eu não sabia voar. A cabeça estava vazia. Mas uma pontada no peito me enchia de uma certeza incerta. Era amanhã. E eu não sabia voar. A espera já se tornava insuportável. Mas havia uma esperança de o ontem ter sido um sonho. Era sempre. E eu não sabia voar. A vida ia passando do lado de fora. Mas o medo tinha feito o não saber ser imutável. Era agora. E eu não sabia voar. Olhei no espelho e vi que tinha asas. As mesmas asas de todos que via voar pela minha janela. Já não havia noite. Não havia solidão. Não havia amanhã, nem sempre. Havia olhos fechados, braços abertos e um salto.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

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Penso, penso, penso, penso... Nem na hora de dormir essa vozinha interior se cala. Converso comigo, com os outros, com desconhecidos, com conhecidos que nem imaginam que eu existo... Sonho acordada. Me declaro, te convenço, exponho todos os meus pensamentos... no meu pensamento. Vivo uma vida paralela que ninguém vê e ninguém ouve. Um ensaio de vida. Uma preparação pro real... Que nunca vem daquele jeito. Que esquece o texto, as marcas, que volta correndo pra coxia e se tranca no camarim... Como posso dizer tudo quando não falo nada e não dizer nada quando falo qualquer coisa?
Silêncio repleto, palavras mudas.

Poderosa Afrodite

Naquela noite, como nas outras, depois de satisfazer seus cinco ou dez escolhidos, dependendo da sorte e do ponto de vista, ela parou para chorar por ele. A falta dele doía nela. Não como essas dores que vão gastando com o tempo e ficando cada vez mais desbotadas até se tornarem uma sombra de dor, mas daquelas que vão corroendo pedacinho por pedacinho, devastando cada vez mais profundamente a alma até que não se saiba mais quem se é ou o motivo de continuar vivendo. Ele, que ela vira apenas uma vez mas amava mais do que a si mesma e que fôra afastado dela por sua própria irracionalidade ou covardia. Ah, arrependimento! Por que não me mata logo de uma vez? Era o que ela pensava ao derramar aquelas mesmas lágrimas encharcando mais uma vez a cama em que ganhava a vida. Não havia como voltar atrás. Ela não sabia o endereço dele, seu telefone, nem ao menos o seu nome. Talvez fosse mesmo melhor ele não saber da existência dela. Talvez ele a odiasse por ter se afastado dele. Talvez a profissão dela o desagradasse. Decidiu que definitivamente não poderia pensar em procurá-lo enquanto não mudasse de vida. Percebeu que a vida não estava disposta a deixá-la mudar. Enxugou as últimas lágrimas daquela madrugada, apagou a luz do abajur e fechou os olhos para tentar dormir. De olhos fechados, tudo que ela via era a imagem dele. Ele, que ela vira apenas uma vez mas amava mais do que a si mesma e que saíra de dentro dela sem nunca ter sido parido do seu pensamento.