terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Lar

Na primeira vez que você me olhou, eu senti fome. Provavelmente. Eu estava sempre com fome naquela época. Na verdade, eu não tenho ideia de quando foi a primeira vez que você me olhou. Eu nem devia estar olhando. Eu nem percebi a onda de desejo na minha direção. Também não me lembro da primeira vez que te olhei. Nem da segunda ou terceira. Na primeira vez que te enxerguei, eu já devia ter te olhado milhares de vezes. Engraçado como somos capazes de passar pela mesma rua todos os dias e de repente descobrir um prédio que sempre esteve lá. Foi assim. De repente você estava lá com toda sua misteriosa arquitetura onde antes eu achava que tinha... O que é que tinha lá mesmo? Não sei. Nunca prestei atenção. Eu morava do outro lado da rua e não ficava espiando as casas dos outros. Mas, um dia, fiquei sem casa. Morava de favor na casa de um e de outro. Passei a prestar atenção nos anúncios de jornal e nas fachadas dos prédios à procura de uma placa que dissesse "vende-se", ou pelo menos "aluga-se". E qual a minha surpresa ao ver ali, na minha antiga rua, do outro lado, um belo prédio onde não tinha placa alguma. Ele tinha sido construído para uma única moradora que, até então, nunca tinha aparecido para ocupá-lo. Foi o que o porteiro me disse. Eu posso só fazer uma visitinha pra ver como é por dentro? Pedi, jogando pra ele todo o meu charme. Claro, é todo seu. Foi o que ele me respondeu. Fiquei um pouco confusa com aquela resposta. Será que era só maneira de falar? Dei uma olhadinha e fui embora, sem garantir que um dia voltaria. Precisei de um tempo pra arrumar as malas, juntar meus pertences espalhados e preparar a mudança. Cheguei lá com toda minha bagagem e nada perguntei para o porteiro com medo da resposta. Arrumei minha melhor cara de dona do pedaço e ocupei aquele a quem eu chamo de lar.

2 comentários:

  1. Poucas vezes na vida vi um texto tão poético e tão inteligente em suas metáforas. Sutilezas delicadas e emoções transbordantes. Lindo!

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