terça-feira, 26 de junho de 2012

Jura!!!

Jura que é para sempre? Eu não me importo se um dia você vai me abandonar, contanto que jure, até o último minuto, que nunca vai. O que eu não posso é viver com meia certeza. Eu preciso de uma certeza declarada aos quatrocentos ventos, publicada no mural, selada com beijos de olhos fechados, com o braço da poltrona levantado no cinema, descrita em sonetos sem norma culta, sem culpa, sem pudor. Diga que eu sou o mais dos mais que você já viu na vida, que nunca sentiu amor igual, que nunca desejou tanto, admirou tanto, sofreu tanto de saudade. A verdade é um detalhe que não vale a pena mencionar. A sinceridade de nada me serve no presente. Talvez seja útil para me ajudar a te fazer virar passado quando nosso amor não for mais possível. Para eu desacreditar em você e me deixar enganar por outra. Mas, por enquanto, esquece os sábios conselhos. Me engana que eu gosto. Jura que é para sempre e me deixa ser feliz por inteiro.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Significado do nome Marcela

Não sou aquela que vem de Marte
Não acho que pareça com um martelo
Tampouco sou o feminino de Marcelo

Mas sei que o meu Corpo é uma Cela
Inundada pela minha Alma Mar
Que a Cela é preenchida
Mas não consegue conter todo o Mar
O Mar transborda e vai muito além
Da sua parte visível porque contida na Cela
Sou eu a união temporária desses dois elementos
Porque o tempo corrói a Cela pouco a pouco
Um dia suas barras hão de arrebentar
Mas esse Mar temperamental
Ora calmo, ora revolto
Permanecerá porque é eterno
E almeja um dia ser puro e cristalino
Para não mais em Celas precisar se aprisionar
E correr livremente junto com o oceano de Mares que há

terça-feira, 17 de abril de 2012

Saudade

Se arruma como quem tem pressa
Lança um olhar de não sei quem é você
Se perfuma para me impregnar
Me beija nos lábios para me confundir
Me cospe para eu não implorar
Me ofende para não perder o costume
Jura que nem sabe o que é amor
Diz que não foi bom para deixar saudade
Toma de volta tudo que me deu
Joga na cara todos os meus defeitos
Se delicia com as minhas lágrimas
Devora a minha autoestima
Garante que não vai mais me ver
Parte como quem nunca quis ficar
Me deixa sozinha juntando os pedaços
Depois volta, me toma, me dobra, me satisfaz
E faz tudo de novo como quem sempre quer mais

domingo, 15 de abril de 2012

"A Pedra" ou "Minha singela homenagem a Carlos Drummond de Andrade"


Era uma vez uma moça e seu caminho. Tinha escolhido qual seguir e o seguiu livremente até o fim. Chegando lá, não sentiu nada. Não tinha a graça que pensava que teria. Tudo tinha sido tão fácil. Podia escolher um novo caminho como continuação daquele, mas ficou com preguiça. Se acomodou onde estava. Afinal, para que andar mais se isso não gerava nenhuma satisfação? Não foi infeliz, mas também não soube dizer se foi feliz.



Era outra vez outra moça e seu caminho. No meio do caminho tinha um buraco.  Um buraco que não dava para pular ou contornar. Ela tentou, tentou, mas não conseguiu passar. Triste que estava, deu ré e escolheu outro caminho. Sabia que não era exatamente o seu caminho. Mas o que podia fazer? Soube de outras pessoas que não tinham encontrado obstáculo nenhum. Soube também de algumas que tinham encontrado obstáculos mas que, com a esperança e a persistência, tinham conseguido superar. Mas ela tinha certeza de que nenhum deles tinha encontrado um buraco como o seu. Impossível de ultrapassar. Se conformou com o seu novo caminho confiando que aquele devia ser o seu destino e que, embora não fosse o que ela tinha escolhido, seria para o bem. Dessa maneira, conseguiu seguir com alegria. Mas no meio do novo caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho. Uma pedra que não dava para ultrapassar. Mas será possível tanto azar? Por que justo ela não conseguia seguir em frente tranquilamente como todo mundo? Sentou e chorou por três dias sem parar. Se revoltou com a divindade que permitia aquela injustiça. Quando as lágrimas secaram e viu que de nada adiantavam, começou a pensar, pensar e testar todas as possibilidades. Depois de seis dias de trabalho infrutífero, teve um estalo. Pegou a pedra e foi rolando ela para trás andando de ré mais uma vez. Chegou ao ponto de onde tinha partido e enxergou seu antigo caminho. Estava muito cansada, mas não quis parar para descansar. Trilhou seu caminho dos sonhos empurrando sua pedra que, como ela esperava, encaixou perfeitamente no buraco. Enfim, ela pôde passar e viu que o outro lado era tudo que esperava. Sentiu tamanha satisfação que tinha vontade de pular sem parar. Se achou a pessoa mais sortuda do mundo. Uma vez alcançado o que seria o fim, pensou novas trilhas para continuar seguindo em frente rumo ao desconhecido, sem medo de pedras e buracos. E sabendo que, às vezes, os desvios do caminho são partes do caminho e que caminhar é delicioso mesmo com todas as dificuldades.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Estátua

Ela estava andando em direção ao supermercado quando, de repente, seu coração parou. Ou foi isso que pareceu que estava acontecendo na hora. Sem dar mais um passo, olhou em todas as direções, começou a suar frio e pensou que ia desmaiar. Como depois de um minuto infinito ela continuava de pé e congelada, achou por bem gritar. Não para pedir ajuda, mas para verificar se era capaz. Esqueceu-se de abrir a boca e o som bateu e voltou, enchendo seus pulmões de desespero. A multidão que passava por ela na rua mais movimentada do bairro nem parecia notar aquela estátua viva sem fantasia. Por isso mesmo, ninguém parou para ajudar. Algumas horas se passaram e ela continuava ali, sem ser mais capaz de mexer um músculo voluntário sequer. Seus sentimentos foram se transformando. Depois de tanto tempo, sabia que não desmaiaria mais. Ou será que desmaiaria de fome? Mas a agonia foi dando lugar a uma paz estranha. Do desespero ela passou a um tipo de meditação. Observou tudo que estava fora. Para cada um que passava, ela inventava internamente um nome e uma pequena historinha. Passaram por ali a Beatriz que estava indo buscar o filho na escola, o Mário que estava voltando de um encontro com a amante, o Augusto, coitado, que tinha acabado de ser demitido, a dona Laura que não sabia de onde vinha e para onde ia, o Josué que na falta de namorado passeava com os cachorros e mais um mundão de gente que ela conheceu sem se apresentar nem se mexer. Com o cair da noite, a rua foi ficando cada vez mais vazia. A brincadeira já tinha dado o que tinha que dar e nada de conseguir sair daquele estado de imobilidade. Passou a olhar para dentro. Revisitou o seu passado, suas saudades, suas lembranças mais prazerosas, suas frustrações. Lembrou-se do futuro que ela esperou e nunca aconteceu. Perdoou a si mesma por todos os erros cometidos, por todas as lágrimas vãs e pela falta de coragem para fazer o que era preciso às vezes. Olhou no fundo dos olhos da sua própria humanidade, tão imperfeita, mas aceitou o que viu. Conseguiu, usando o que parecia ser toda a sua força, virar para o lado e se deparou com a prateleira de chocolate. Mas ela não tinha ficado congelada no caminho durante todo o tempo? Pensou. Como chegou onde queria sem dar nenhum passo? É claro que tinha dado não um, mas muitos, sem se dar conta do movimento. Pensando que estava parada ela caminhava para o seu objetivo. Ao se dar conta, todos os músculos foram desenferrujando e conseguiu se movimentar até com mais leveza e graciosidade do que antes. Comprou dez barras do seu chocolate preferido e voltou para casa cantando bem alto sem se importar com o que os outros iriam pensar.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Ainda dá tempo

Olhou para o horizonte em um lugar de onde, sem explicação, dava para ver o mundo inteiro. Ou pelo menos grande parte dele. Todos aqueles monumentos, que ela planejava um dia visitar, estavam ali. De longe, mas ao alcance dos olhos. Num segundo de pura mágica todos se acenderam. Como num parque de que ela se lembrava, mas onde não estava. E, naquele momento, todos do mundo estavam em festa. Se ela forçasse bem os ouvidos poderia ouvir a queima de fogos num país distante. Bem perto dela, tinha um chafariz brasileiro desengonçado tentando fazer uma dança de águas que mais parecia um desperdício da mesma. Desejou sair dali e viajar, viajar, viajar. Tanta coisa para conhecer, para viver, experimentar, explorar... Mas sentiu que algo de errado estava acontecendo. Do céu veio uma bola de fogo gigante e ela estava caindo bem na sua direção. Foi um milésimo de segundo entre a percepção do fato e suas consequências. Não sentiu dor alguma. Mas uma onda de energia lhe percorreu o corpo como se o sol estivesse morando dentro dela. Tinha consciência de que aquela vida já era. Não se revoltou nem se entristeceu. Pensou que seria uma hora de reencontro, uma volta para casa. Um "game over" numa missão de um jogo virtual. Simplesmente esperou. Esperou que a viessem buscar e que tudo que ela acreditava que existia do lado de lá fosse verdade, sem medo de que não houvesse um lado de lá. Acordou e viu que viu que ainda não tinha chegado a hora. Aquela energia estranha ainda percorria o seu sangue e parecia irradiar. Era mais um sonho. Mais um desses onde o fim era o fim. E embora fosse apenas um sonho, ela se sentia mais preparada para aceitar o momento quando ele chegasse. Ter medo da morte é ter medo da vida. Viver não é sobreviver. É se expor.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

TPM

Ele olhou para ela e ela não estava lá. Mesmo com medo das consequências, resolveu trazê-la de volta.

Ele – Amor?
Ela – O que foi?
Ele – Está tudo bem?
Ela – Por que a pergunta?

Ele – Sei lá. Só pra saber.

Ela – Está. Por que não estaria?
Ele – Não sei. Você parece distante.

Ela – Eu estou na mesma sala que você. Ou será que é impressão minha?
Ele – Está bem. Desculpa. Deixa pra lá.

Ela – Deixa pra lá o que?
Ele – Nada. Já disse. Não queria te irritar.

Ela – Quem disse que eu estou irritada?
Ele – Ninguém. É que eu pensei...

Ela – Ah, pensou? Pois fique sabendo que eu não estava nem um pouco irritada até que você me irritou com essa mania de dizer que eu estou irritada.
Ele – Eu já pedi desculpa. Não falo mais nada. Tudo que eu falo é errado.

Ela – Estava demorando. Vai se fazer de vítima de novo, né?
Ele – Aí, está vendo? Eu só faço piorar as coisas.

Ela – Aí, está vendo? Vítima. E pra mim sobra o que? O papel da megera sem coração que só briga com o pobre coitado que não fez nada.
Ele – Você não é megera, amor. Você é maravilhosa. Perfeita!

Ela – Não me vem com ironia não.
Ele – Não é ironia. Você sabe que eu te amo mais que tudo.

Ela – Tá, eu sei. Mas não é disso que a gente tá falando.
Ele – E do que a gente está falando?

Ela – Do fato de você ficar me provocando até me tirar do sério e me obrigar a ser uma namorada ruim.
Ele – Você não é uma namorada ruim.

Ela – Claro que eu sou. Eu vivo brigando com você por nada e não consigo fazer tudo por você como você faz por mim. Eu não tenho paciência pra fazer nem metade do que você por faz.
Ele – Mas, meu amor, você não tem ideia do bem que faz pra mim. Você me transformou num homem melhor.

Ela – Ah, transformei mesmo. Porque ninguém te merecia daquele jeito, né? E aquele cabelo? Pelo amor de Deus...
Ele – Então.

Ela – Então o que?
Ele – Admite que é uma namorada maravilhosa.

Ela – Sou coisa nenhuma. E para de me irritar com essa história.  Eu sou má, está me ouvindo? E não te mereço.

Ele – Então vem cá, minha malvada. Senta aqui do meu lado.

Ela - (escondendo o rosto) Não.

Ele – Você está chorando, amor?
Ela – (chorando) Não.

Ele – (sentando do lado dela) – Oh, amor. Eu te amo de qualquer jeito. Malvada, boazinha, maluca, carinhosa, brigona, mandona, ciumenta, impaciente, descontrolada...

Ela – Chega. Eu já entendi.
Ele – Desculpa. Eu nunca sei a hora de parar. Mas pode deixar que da próxima vez que você estiver com TPM...

Ela – O que?

Ele – Nada. Eu te amo. Não esquece. Vou tomar um banho.
Ela – Está precisando mesmo.

Ele – Desculpa. Acho que do banho vou direto dormir. Boa noite. Amanhã a gente se fala.
Ela – Boa noite.

Ele sai.
Ela – Amooooor!

Ele volta.
Ela – Eu te amo.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Dupla jornada

Todas as noites, ela escovava os dentes, fingia um beijo de boa noite e esperava ele dormir. Aí, vestia uma roupa etérea, lhe dava um beijo na testa e voava em direção a mais uma aventura intimamente proibida. De dia, andava com os pés bem fixos na terra. Mas, à noite, gostava de hidratar seus cabelos nas nuvens antes de sair por aí conhecendo lugares e pessoas. Vivia nessas horas uma vida de filme. Às vezes romance, às vezes drama, muitas vezes comédia, constantemente aventura, de vez em quando terror e até ficção científica. Tinha uma fila interminável de amantes dos quais nem sempre se lembrava do rosto. Seus poderes especiais a levavam de Bangu ao Japão antes mesmo de virar a esquina. Tinha dias que ela resolvia ser homem e simplesmente era. Sem se dar conta, mudava de rosto e de corpo como uma camaleoa descontrolada. Devia ter muita sorte porque, nos seus passeios noturnos, presenciava momentos que pareciam impossíveis. Via elefantes darem cambalhotas, leões vivendo em apartamentos e bebendo chá gelado na tigela, via bicicletas voarem, ingleses dançando a dança da chuva, fora a quantidade de vezes que ela mesma ganhou na loteria sem nunca ter apostado. Vivia bem feliz no meio da bizarrice. Amava o inesperado. Não planejava nada. Se deixava levar e confiava que nada de mal ia lhe acontecer. Quando a morte chegava perto e vinha a abraçar querendo fazer amizade, ela lhe apertava a mão e dizia que ia ali e já voltava. Um dia acabava voltando mesmo, mas sempre dava um jeito de escapar na última hora e depois gargalhava se lembrando do risco que tinha corrido. Ela também tinha, sem querer, descoberto uma maneira de viajar no tempo. Estava andando por uma rua escura e se deu conta de que estava no século XVI. Depois disso, era só pensar que gostaria de conhecer determinada época, que lá ela aparecia. Conseguia também misturar os tempos. Uma vez se viu no meio de uma guerra medieval. Pegou seu celular e pediu socorro para um amigo dinossauro que em dois minutos chegou e tirou ela dali. Era uma vida um pouco cansativa. Mas valia a pena. Ela não tinha do que reclamar. Gostava de sentir seu coração palpitando por baixo da blusa e também de quando ele subia até sua boca ou escorria pras suas mãos. A sua vida era tão boa que nem reclamava quando percebia que estava amanhecendo lá embaixo e que tinha que voltar. Na ponta dos pés, ia em direção à sua cama e se enfiava com o máximo cuidado debaixo das cobertas pra ele nada perceber. Quando acontecia de ser pega, dizia que tinha ido ao banheiro rapidinho. Ele sempre acreditava. Como ele pensava que ela tinha dormido a noite inteira, ela nunca podia descansar. Fingia que já estava bem descansada, se espreguiçava, escovava os dentes, descia pra comprar pão e jornal e voltava pra fingir um beijo de bom dia. Ele perguntava se ela tinha dormido bem e ela sempre dizia um "ahan" bem indiferente pra não gerar mais perguntas. Por dentro, ela sorria por não precisar dividir seu segredo. Aquela vida era só dela. Eles não tinham se casado naquela vida. Ele saía para trabalhar e ela se preparava para mais um dia vazio. Fazia tudo mecanicamente contando as horas para a noite chegar. Gostava de assistir às novelas só para ter o prazer de saber que nenhuma vida ali era melhor do que a dela. Não essa, diurna e sem graça, mas aquela que era de verdade. Porque ela sabia que tinha nascido ao contrário e que vivia enquanto a maioria dormia e esperava enquanto a maioria vivia. Até que um dia, enquanto fazia o jantar, se sentiu mal e foi correndo para o banheiro. Pôs pra fora todo o tédio que tinha ingerido nas últimas horas. Não assistiu à novela nesse dia, pois o marido insistiu que tinha que levá-la para o hospital. O médico, um senhor de barba branca com um sorriso bondoso, anunciou que eles estavam prestes a embarcar numa grande aventura com um bebê a caminho. Ela não sabia se ria ou se chorava. Não estava acostumada a sentir nada naquela hora do dia. Na sua vida secreta, ela nunca tinha tido filhos. Não tinha treinado para isso. Ela, que gostava de sentir seu próprio coração, agora sentia mais um, na sua barriga, que batia ainda mais acelerado do que o dela durante suas aventuras mais doidas. Olhou para o marido e viu que o rosto dele não estava borrado como o de costume. Ela agora conseguia ver nitidamente as linhas do rosto dele e eram agradáveis de se ver. Por elas escorriam pequenos riachos salgados de emoção. Ele também tinha cara de quem não sabia o que fazer. Voltaram para casa e ela repetiu seu ritual de sempre. Naquela madrugada, depois de visitar dois ou três lugares, ela encontrou uma menina de uns cinco anos, com cachos dourados e olhos azuis. Perguntou pra menina o que ela fazia fora da cama e sozinha por ali. Ela contou que ainda não tinha cama e que não estava sozinha, mas com ela. A menina era tão linda e estranhamente familiar, que ela aceitou levá-la junto nas aventuras seguintes. Conheceram juntas lugares incríveis e conversaram durante horas. Ficaram amigas. Acabou perdendo a hora e quando voltou para se esquivar pra debaixo da coberta viu que o marido já não estava mais lá. Nervosa pelo seu segredo, ficou deitada esperando o que ia acontecer. Ele voltou, uns minutos depois, com uma bandeja com pão, jornal e uma rosa. Ele perguntou se ela tinha dormido bem e ela disse que tinha dormido "muito bem, obrigada". Ele disse que naquele dia não ia trabalhar e que passaria o dia todo fazendo as vontades dela. No começo, foi muito estranho, mas apesar dos enjoos dela, eles tiveram momentos felizes naquele dia. A felicidade diurna a fez se sentir um pouco culpada pelo seu segredo. Resolveu que, naquela noite, tentaria dormir. Mas quanto mais tentava mais rolava na cama. Passou a noite toda ali mesmo, do lado dele, acordada, pensando em como faria para administrar agora duas vidas agitadas. Mesmo com a culpa, ficou levando sua dupla jornada como podia. Estava até começando a gostar da sua vida diurna. Cada dia era diferente. Cada dia mais pesada e redonda ela tentava recuperar o tempo perdido e aprender tudo que precisava pra cuidar de uma terceira vida que estava dentro dela. Nove meses depois, passeando de madrugada, ela reencontrou a menina dos cachos dourados. As duas se abraçaram longamente. A menina pegou na mão dela e disse que hoje decidiria pra onde elas iriam. Foram até uma nuvem bem fina e transparente. A menina disse que era pra ela olhar para baixo. Ela viu a própria casa. A menina perguntou se ela gostaria de ir lá embaixo e espiar pela janela. Ela concordou e foi espiar o marido dormindo. Quando chegou lá, nada entendeu. Ao lado do marido, dormia ela mesma com sua enorme barriga. Mas como ela estava lá se tinha levantado e fugido pra viver sua vida secreta? A menina a levou de volta para a nuvem e disse que fechasse os olhos e contasse até dez que quando abrisse teria uma surpresa. Quando abriu, a linda menina já não estava mais lá, mas uma outra pessoa vinha andando na direção dela. Ao perceber que era o marido, ela morreu de vergonha pensando que ele tinha descoberto tudo e que agora a deixaria para sempre. Justo agora que ela estava voltando a gostar dele? Ele olhou bem no fundo dos olhos dela e ela pediu desculpas por tê-lo enganado durante tanto tempo. Ele disse que não só sabia de tudo, mas como tinha estado ao lado dela escondido durante todos os momentos. Porque ela era o sonho da vida dele, embora ele não fizesse mais parte dos sonhos dela. Tinha esperado pacientemente que ela voltasse a viver do lado dele e entendia que aquela vida secreta era necessária pra que ela aguentasse a vida que não estava mais querendo viver durante o dia, e que ele tinha sofrido dia e noite por não conseguir ajudá-la. Os dois choraram muito e se beijaram mais ainda. Voltaram para a cama de mãos dadas e acordaram ao mesmo tempo. A cama molhada indicava que tinha chegado a hora. A bolsa estourou. Foram correndo para o hospital, mas o bebê não quis esperar e nasceu ainda no caminho nas mãos do pai. Era uma linda menina de olhos azuis e uma leve penugem dourada na cabeça. Depois daquele dia, a vida era tão agitada que quase não sobrava tempo para dormir. Sonhavam acordados mesmo. Atrapalhados, atarefados, mas felizes. A antiga vida secreta dela ia ficando desbotada para trás. Quando dava tempo de sonhar, ela quase sempre sonhava que estava ali mesmo naquela casa, com seus dois amores que com o passar dos anos viraram três e depois quatro. Retomou a sua profissão um ano depois do nascimento da primeira filha. Nessa nova dupla jornada, sua vida acordada valia por duas e era mais emocionante que o seu mais louco sonho da época em que pensava que estava acordada.